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NEM FRITZ E NEM FREUD EXPLICAM

FALANDO SÉRIO

Sem querer, quando dei por mim, estava em frente do Fritz. Pensei rapidamente e conclui que não sabia como tinha ido parar ali. Só vou ao Fritz, quando realmente vou ao Fritz, e não era aquela intenção naquele final de tarde, mas... já que tá que fique!
Só dissabores pelo dia todo, devedores desaparecidos, credores de plantão e assim por diante.
Não havia ninguém nas mesas do restaurante, reflexo ainda da pandemia (Eita! Até quando aguentaremos?). Fui encontrar o alemão atrás do balcão, compenetrado ouvindo um cliente de voz macia e de tom soturno. Não houve a tradicional recepção: Chisteka... tens “fuchvido” muito? Dei um tempinho e percebi que algo sério estava no papo entre o alemão e o estranho. O Fritz estava como que hipnotizado.
- Boa tarde – fui dizendo para me anunciar.
- Boa tarde – respondeu o estranho que dividia o balcão com o Fritz e mais dois copos, um de cerveja e outro de algo mais quente, provavelmente um bitter qualquer, pela cor escura do líquido.
- Ô Chisteka... falou melosamente o Fritz, parecendo que saia de um transe, e logo continuou: - esta senhorrr... como é mesma a sua nome?
- Araújo – falou com ênfase o estranho.
- Isto mesma, Arraújo, um vendedor... – e foi abruptamente interrompido pelo apresentado.
- Pro mo tor... pro mo tor... – reclamou o esquisito amigo do Fritz.
Depois das apresentações e fazer o Fritz sair do pequeno transe em que estava, entabulamos conversa. Como meu estado de espírito estava meio abalado, aumentei o índice de ranço e deitei falação contra tudo e contra todos.
Foi então que o Araújo contou uma história.
- Quando estou de saco cheio, por apenas meio salário-mínimo, tenho cerca de 50 minutos deliciosos a cada semana: vou à minha analista. Onde investir tão pouco em passatempo tão agradável? Durante 50 curtos minutos me livro de todas as minhas encucações deste mundo antieconômico, antipolítico, antijurídico, antimoral.
Eu e o Fritz ficamos apenas observando os trejeitos e ouvindo atentamente o Araújo que continuava falando sem parar.
- Chego, sou bem recebido e conduzido a um gabinete asseado, com vistas para a Serra do Mar, local não alcançado pelos olhos e pelos ouvidos da opinião pública para oferecer mote a fofocas. Tiro o paletó, descalço os sapatos, desaperto a cinta, me espicho no divã confortável, para começar a passar em revista a alma moída.
Deu um golpe no copo de bitter e sorveu lentamente a cerveja que descansava no copo “catarina”.
E continuou: - Incitado por inteligentes perguntas que ela vai me fazendo, vou desembuchando os mais recônditos grilos. Com rara habilidade, vai me conduzindo o raciocínio à exposição de minhas dolorosas feridas d’alma. Trago fatos passados, guardados zelosamente nos porões do subconsciente.
Encheu o copo com uma “Heinecken” fresquinha que o Fritz colocou em sua frente e pegou a trilha da conversa.
- Na última sessão, entretanto, a surpreendi, porque estava incomumente irado, cheio de ódio e deixava transparecer. Ela foi buscando as possíveis causas, variando o assunto desde a profissão até a família.
- Tem lido jornais e visto e ouvido a TV, ultimamente? – perguntou a analista.
- Com a afirmativa da resposta, ela completou: Sempre a ver sozinho ou com a família?
- Achou a palavra sagrada: Fa mí lia! Tocou no ponto fundamental. E, inconsciente e inconsequentemente, deixei escapar: - Odeio meu pai!
- A revelação inesperada fê-la recordar Freud, Jung, Sófocles e outros pirados neste assunto.
Eu e o Fritz estávamos estáticos e a respiração era calculada para não atrapalhar o interlocutor.
- Maltrata tu irmão, não é bom para tua mãe, abusa de tua irmã? Foi desfiando a analista procurando mexer com a minha cabeça – continuava o hipnótico palestrante.
- Por que o odeias? Foi logo direta ao assunto as estudiosa da alma.
- A senhora sabe quem obtém sucesso neste País? Os xxxxxxx (censurado), os nordestinos, os dorminhocos, os jogadores de futebol, os políticos e principalmente, os corruptos. E ele não me deu nenhuma oportunidade. Queimou os navios na praia, como se diz para não ter volta. Falhou.
- Sou yyyyyyyy(censurado em função da primeira censura), sulista, madrugador, só tentei jogar futebol, e quando me deram a oportunidade de ser político, fui honesto, e então me mandaram embora...

Joinville, 13 (sexta-feira) (ui!) de agosto de 2021.

Henrique Chiste Neto








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