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Crescer na gratuidade do tempo

O tempo de graça é,na perspectiva cristã,uma expressão particularmente feliz que foi dada para designar o tempo que num outro quadro referencial nos habituamos a designar um tempo livre.
Quando nos centrávamos fundamentalmente não só a contraposição entre trabalho e lazer,como uma dicotomia de tempo imperativo e tempo disponível,parecia que a liberdade em dispormos de tempo para todas as atividades desejadas,era o que antes mais caracterizava este tempo.Durante ele se construía o que,para muitos,constituía o seu projeto,de certo modo mais pessoal e intimista,da pessoa consigo própria,com Deus,com a natureza e a restante realidade,tempo em que se vivia sobretudo em grupos primários,espontâneos,informais.
Visto,embora nem sempre ajustadamente,o tempo de trabalho como limitativo,senão como apreensivo,e encarado o tempo imperativo(o dedicado às outras atividades também necessárias para a nossa sobrevivência) como igualmente restritivo,aparecia o tempo livre como sendo o da liberdade da realização pessoal,família,grupal,comunitária.Era como se fosse o tempo da verdadeira vida,face ao da vida como tinha de ser.
Embora as condições sociais não tenham muitas vezes mudado assim tão profundamente,outras começam a ser as perspectivas centrais da atualidade.
Numa primeira evocação,tempo de graça significa tempo não pago,gratuito portanto.Trata-se de uma acepção que embora mais primária,valerá a pena explorar,até porque,cada vez mais,só em parte é verdadeira.
De fato,já vai o tempo em que o lazer era predominantemente gratuito em termos econômicos ou,talvez melhor dito,já vai o tempo em que não se tomava consciência dos encargos que o lazer acarreta.De qualquer forma,o desenvolvimento das industrias da cultura e a cada vez mais intensa estruturação empresarial e econômica,até do próprio desporto e de tantas outra atividades associadas aos tempos livres,fazer com que nessa a pessoa mais distraída quanto às suas contas,tome consciência dos por vezes tremendos encargos do tempo livre.Não será portanto por esta razão que valerá a pena chamar ao tempo livre,tempo de graça!
É preciso recuperar a gratuidade do tempo.O padrão básico da sociedade atual é o da troca instantânea em que o bens e serviços se produzem,propõem e pagam dentro de parâmetros pré-estabelecidos,do mesmo modo que a vida se concentra em atividades se possível definidos previamente quanto à sua natureza,tempo e lugar.
O tempo de graça faz assim apelo à arte da gratuidade recíproca,com contrapartidas não mensuradas nem escalonadas no tempo.Tempo de gratuidade é tempo ligado contínuo que cimenta não só a história pessoal em relação,como cimenta a base de todas as sociedades,a ‘obrigação’ livremente aceite de viver em comum e não só lado a lado.
Crescer na gratuidade do tempo é assim um imperativo deste final de século,que se concretizará não só na obtenção de tempo livre mas talvez sobretudo no modo como e vivida,dado,permitido.
Ter tempo livre é uma condição necessária mas não suficiente para se saber viver.Tempo livre,tempo de graça,deve ser um tempo autodisciplinado que mantenha viva a capacidade de projeto ao longo de toda a vida.O tempo gratuito não se deve concentrar só em atividades.
Saber estar,saber conversar à vontade,ser capaz de meditar,saber até relaxar são dimensões da vida,vivida conosco,com Deus e com os outros que é preciso voltar a desenvolver.O tempo gratuito é aquele em que se reduz a ansiedade e se cultiva a confiança.
03.01.2025 Prof. Dr. José Pereira da Silva







  • Fontes: PROFESSOR DR. JOSÉ PEREIRA DA SILVA