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DESCENDO A SERRA

FALANDO SÉRIO
(Esta história verídica apresento em homenagem ao grande amigo Hélio Morotti que hoje nos deixou... 1º/06/2020)

Cada vez que vou Taubaté sempre busco me encontrar com o Hélio Morotti. O melhor ponto de encontro sempre é na Dom Epaminondas em frente à Catedral. Sempre digo que são momentos suficientes para dar uma abaixada no QI, proporcionado pela convivência conterrânea. Não estou insinuando nada sobre os amigos visitados, fato é que o ritual com que se desenrola o dia a dia da beligerante rabacuada (tem no Aurélio) cria um clima propício para a tendência, para baixo, do nosso coeficiente de inteligência. Hélio Morotti (famoso Arroz Doce – apelidado por mim) sempre me provoca sobre isto.
Nessa roda de prosa, uma vez o Hélio me pediu para contar das peripécias da turma do River quando ia para Ubatuba. Assim editei uma história no Matéria Prima, ocorrida por volta de 1966 ou 1967.
Como toda história mais antiga de taubateanos em Ubatuba, tudo começou na porta do Rodoviário Atlântico, pelo menos aos de classe média abaixo da média; mas, acredito que o fato de descer a serra dentro daqueles “possantes” e “heróicos” ônibus, com motoristas idem, era bem mais romântico, o no mínimo mais emocionante.
Pois bem, na hora aprazada (história antiga, vernáculo próprio), estávamos todos na porta da rodoviária, que na época ficava no Largo do Rosário. Era um quente dia do mês de janeiro (ou fevereiro?), também isto pouco importa, era um dia quente e os próximos prometiam esquentar mais.
A turma era constituída por defensores do time do River, jogadores, dirigentes e torcedor. Torcedor no singular porque só ia um da meia dúzia que existia, era o Toninho Satanás, que Deus o tenha em bom lugar.
Dirigentes iam dois, o Paulo Bolota e o Cláudio “Cota”, este massagista, que também atendia pela alcunha de “Chocho”.
Atletas iam, eu, que era o dono da casa onde ficaríamos e o Hélio Morotti, que na época era considerado “o mais atlético”, aliás, apelido adquirido naquela viagem.
O Paulo Bolota foi o último a chegar, chegou de taxi, afinal era o mais abastado da turma. Naquele tempo trabalhava no Sesi, acho que era assessor do Paes de Barros, se não era parecia ser, tanto é que era técnico do River e o “seu” Alcyr o “dono” do time.
Bem, chegando, o Bolota trouxe consigo três garrafões cheios, é claro, de “meia de seda”, preparados por sua mãe. É evidente que tivemos que “inaugurar” o primeiro, antes da saída rumo à Ubatuba. No passa passa de mão em mão, o “marafo sedoso” foi para o chão e num estrondo só, esparramou o precioso líquido pelo meio da calçada em frente a improvisada rodoviária.
Oooooooooh ! nossos sentidos vibraram em uníssono...
- Deixa prá lá tem mais dois – exclamou o Satanás, que sem perder tempo completou – ô Bolota, abre logo o outro.
Zeloso como sempre, o Paulo colocou a turma dentro do ônibus deu uma bronca no motorista que “ensebava” prá sair e encerrou o assunto.
Até São Luis do Paraitinga a “lei seca” imperou e o silêncio também. Lá chegando, havia uma parada de meia hora, não sei prá quê, pois, poucos passageiros faziam baldeação. Acredito que era conluio com o dono do bar. Não deu outra, a rapaziada resolveu molhar o bico e, prá complicar, encontramos com o professor Juju que veraneava na terra de Oswaldo Cruz. Foi uma meia hora muito rápida e poderíamos ter ficado bem mais por ali, Juju era impagável quando contava estórias, cativava a todos com sua prosa, mas o horário tinha que ser cumprido.
Com a alegria retornando ao grupo, distraíram o Bolota que ia sentado na frente da “nave”, o restante sentava no fundo, e surrupiaram um garrafão com a doce bebida.
Daí prá frente a viagem foi só alegria. Na tradicional paradinha na Aguatuba, quando a serra vira pro lado de lá e avista-se a terra de Iperoig pela primeira vez, já descemos com o garrafão pela metade e foi aí que o “chefe” Bolota também entrou na dança.
Para aliviar um pouco a zonzeira da viagem, tomamos água da bica e dividimos um pão com linguiça. Diga-se de passagem, uma linguiça deliciosa passada à ferro.
Principiava-se a parte mais emocionante da viagem. Curva após curva, gole após gole passamos pela cruz de ferro (que se bem me lembro dizia a lenda, que ao passar por ali deixava-se toda a carga negativa), onde todos fizeram o sinal da cruz, inclusive o Satanás.
Mais adiante, saudamos a cachoeirinha, agora com um gole duplo: - “e viva a cachoeirinha!”
E assim, após mais de quatro horas chegamos a Ubatuba sãos e salvos, mais salvos do que sãos. A viagem chegara ao fim... o segundo garrafão também.
A cidade que consagrou o Padre Anchieta nos aguardava de braços abertos.
A estada foi só de alegria, bem, mas isto é uma outra história que fica para uma outra vez.
Vai com Deus Hélio Morotti!

Joinville, 1º de junho de 2020.
Henrique Chiste Neto








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  • Fontes: HENRIQUE CHISTE NETO

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