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CONVERSANDO NA FILA

FALANDO SÉRIO

Estava na fila de um banco, coisa rara para mim, porém era assunto que apenas eu podia resolver e tive que enfrentar a dita cuja. Para amenizar o sacrifício que uma fila proporciona, dei sorte de encontrar o Fritz que ocupava o penúltimo lugar, com apenas uma pessoa entre nós. Isto proporcionou uma conversa que nos distraiu por uns bons 20 minutos.
- Esta fila não anda – reclamou a criatura que estava entre mim e o Fritz.
Eu confirmo com um meio sorriso. Mais de 15 pessoas aguardam a paciência de apenas dois caixas que se desdobravam ao atender.
- Agora não existe uma lei que protege o cliente que fica mais de 15 minutos na fila? – continua o sujeito indócil.
- Pois agorra, isto de lei ser uma porrcarria – completa o Fritz.
Entro na conversa e digo que a lei ainda não está em vigor. O sujeito aí olha bem para mim e pergunta: - desculpe a curiosidade, o senhor faz o que na vida?
- Eu sou escritor...- respondo logo para ver no que que dava, e vou completando – escrevo para um jornaleco metido a besta, é feito para intelectuais (hehehe!).
O Fritz arregalou os olhos e completou: - Ele é o famoso Chisteca e gosta muito de escrreverr sobrre histórrias de barr...
- E por quê? – perguntou logo o indivíduo que nos separava na fila
- Porque cerveja não vende em farmácia... (risos gerais)
- Que prazer em conhecê-lo senhor Chisteca – cita o meu “nome” sem nenhuma discrição, chamando a atenção das pessoas mais próximas.
E continua: - É, mas seu jornal é para intelectual e eu gosto mesmo é de coluna policial, vocês não têm uma coluna dessas, tem?
- Não, não temos. Temos a coluna de um ex-presidiário onde relata os casos escabrosos que acontecem na cidade, prefeitura, câmara de vereadores e até nos clubes da mais alta sociedade e que são verdadeiros casos de polícia. Dá pra deixar cabelo em pé de qualquer careca.
De repente o indivíduo coça a cabeça, parece lembrar de alguma coisa, fala baixinho alguma coisa como “anos 60...Penitenciária de Canasvieiras...”
Eu ainda não sei o seu nome, mas agora está mais discreto, fala mais próximo de mim. Dá as costas para o Fritz que curioso entorta a cabeça, espicha o pescoço e faz um esforço danado para tentar ouvir o que a estranha criatura está a me dizer.
- Também puxei cana. Quinze anos. Saí em 78. Bem na época da Copa do Mundo, não devo nada à Justiça...- foi falando no meu ouvido.
Procuro ser discreto, atencioso, apenas, mas ele quer dar detalhes:
- Tudo por causa de uma vaca...
- Por causa de uma vaca? Quinze anos de cadeia? – indago curioso, também quase sussurrando.
- Isso mesmo, por causa de uma vaca...- e ia completar quando o caixa do banco o chama, é a sua vez de ser atendido, ao mesmo tempo que o outro caixa sinaliza (não tínhamos percebido que a fila andara tanto). É a minha vez. Fico de olho no outro caixa aguardando curioso, talvez um olhar daquela criatura. Queria saber afinal o porquê de uma vaca ter lhe arruinado a vida no passado. Queria saber o final da história. Não dá, tenho que dar atenção ao meu assunto.
- Até a vista, Seu Chisteca...dá um abraço no amigo, o tal da coluna policial lá do seu jornal...- fala bem alto a criatura e toma o rumo da porta do banco.
Termino meu assunto e me apresso a sair do banco; encontro lá fora o Fritz que curioso vem ao meu encontro, para saber sobre a conversa entabulada na fila do caixa, e eu vou logo dizendo: - ...”pó pará” ó Fritz isto é segredo de jornalista... – e rumamos para o restaurante onde abrimos várias ampolas da mais legitima verdinha.

Henrique Chiste Neto







  • Fontes: HENRIQUE CHISTE NETO

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