| 1183

QUEIRA SENTAR-SE QUE LÁ VÊM HISTÓRIA

TEXTOS DINIZIANOS

O JULGAMENTO

Na Rua Barão da Pedra Negra, centro de Taubaté, em tempos idos morava um mecânico alemão, nascido em Hanover, chamado Augusto Kraye, que tinha no quintal uma cabra e alguns cabritos. E era sócio do Centro dos Operários Livres de Taubaté.
* * *
Queira sentar-se que lá vem história.
* * *
Uma manhã o alemão viu sua cabra esvaindo-se em sangue. Fora brutalmente ferida, pura maldade. Por certo ela havia ido depredar alguma propriedade vizinha.
* * *
Augusto Kaye foi seguindo os rastros do animal e acabou na grande porteira da Chácara do Visconde, onde morava o Visconde de Tremembé.
* * *
No tempo do Império, Taubaté possuía sua nobiliarquia, os seus sangues azuis. A importância dos nobres no Império era tanta, que nos documentos oficiais não assinavam o próprio nome, mas "Barão disso", "Visconde daquilo".
* * *
O mais nobre dos nobres era o Visconde de Tremembé, sempre um bon vivant, apreciador de vinhos de classe, boas mulheres, um bom gourmet.
* * *
Voltemos a cabra ferida. O alemão perguntou na porteira da chácara pelo Visconde. Um serviçal respondeu que ele havia ido para a cidade.
* * *
Kraye voltou para a rua e viu o fidalgo que vinha imponente cavalgando o seu "marchador".
* * *
Acercou-se do cavalo no meio da rua e dirigindo-se ao Visconde, tentou segurar a montaria.
* * *
Nesse momento o Visconde sacou um revólver e disparou um tiro furando o chapéu de feltro e causando um pequeno ferimento no couro do alemão que saiu em disparada.
* * *
O Visconde gritava enraivecido, "quer mais...quer mais?"
* * *
O Centro dos Operários Livres encarregou-se da defesa do alemão que era seu sócio, em levar o Visconde de Tremembé às barras do Tribunal.
* * *
Mas nenhum advogado das comarcas vizinhas aceitou fazer a defesa do alemão.
* * *
O presidente do Centro dos Operários Livres, Eugênio Guisard, trouxe da capital de SP o afamado criminalista Benjamin Motta.
* * *
Logo após a escolha do conselho de sentença, levantou-se o Visconde e pediu autorização para fazer sua defesa verbal, na qual declarou não se considerar culpado.
* * *
Benjamin Motta, orador de vastos recursos, saudou brilhantemente todos os presentes ao Tribunal, aos que compareceram solidários ao Visconde, e depois de uma oração empolgada declarou que:
* * *
"...o comparecimento do Senhor Visconde de Tremembé à barra do Tribunal representava o cheque da dívida moral que ele havia contraído com a sociedade taubateana".
* * *
Ao terminar esse comentário, sem apartes, o Visconde foi plenamente absolvido.
* * *
"Certamente havia sido uma má interpretação e ignorância de alguma guarda da chácara que havia causado o ferimento na cabra".
* * *
Algum tempo depois, movido pelas circunstâncias, o presidente do Centro dos Operários Livres, mudou-se com a família para Ponta Grossa no Paraná.
* * *
A cabra certamente foi servida com farofa e vinagrete (se já havia sido inventado esse horror gastronômico).
* * *
Quanto ao alemão que tratasse de cuidar melhor de suas viúvas e de suas cabras.
* * *
Isso posto...que venham os lanceiros que não foram aquinhoados (Aurélio) com o dom da escrita, em busca de pelo em ovo.
* * *
Esse texto faz parte de meu último livro "Tribos de Taubaté" de 2018.






  • Fontes: JOSÉ DINIZ JUNIOR